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Treinamento Físico Funcional – Parte 1

Por Marcus Lima em 05 de março de 2014

Treinamento Físico Funcional – Afinal, o que é isto?
(“ou, Lá vamos nós de novo….”) – Parte 1

Marcus V.R. Lima

 

Abrimos as postagens neste espaço com um tema um tanto batido, mas que mesmo assim ainda causa certa confusão entre os profissionais que trabalham com movimento, independente da área específica em que atuem: Rendimento esportivo, pessoas comuns, reabilitação de lesões musculoesqueléticas, etc. Portanto, eis o que para mim seria uma visão funcional do treinamento físico.

Cada um tem direito a sua interpretação e entendimento de seja lá o que for, eu aqui darei a minha visão e opinião sobre aquilo que o termo e o conceito significam para mim, e como essa visão se reflete naquilo que faço para viver: treinar pessoas.

O termo Functional Training começou a ser ouvido, segundo me consta, em meados dos anos 90, onde profissionais norteamericanos como Paul Check, Vern Gambetta, e Gary Gray começaram a introduzir uma forma diferente de compreender o movimento humano e através de seus cursos e palestras começaram a difundir uma nova linha de pensamento, usando elementos há muito tempo conhecidos.

Esses novos conceitos de como os sistemas ósseo, muscular, fascial e nervoso interagem e se relacionam formando um todo, iam em direção radicalmente oposta ao que se fazia dentro das salas de treinamento de força (o que aqui chamamos de musculação): Treinando em máquinas, geralmente em um único plano de movimento e pensando o treino por partes do corpo – o famigerado costas/bíceps, peito/tríceps, pernas. Isso soa familiar?

 

Gary Gray e as Cadeias Cinéticas:

Para exemplificar melhor o que foi dito no parágrafo anterior, vou me utilizar de um bom trecho do livro Functional Training for Sports de 2004, lançado pelo preparador físico norteamericano Mike Boyle, sendo que este é uma referência para mim e para muitos colegas:

Capa do livro Functional Training for Sports
“Para realmente compreender o conceito de Treinamento Funcional, é necessário aceitar um novo paradigma que explique o movimento. Este novo paradigma foi introduzido primeiramente pelo fisioterapeuta Gary Gray em seus Cursos Cadeia de Reação (N.T: No original em inglês: Chain Reaction) nos anos 90. Gary promoveu uma nova visão de função muscular baseado não naquelas velhas definições: flexão, extensão, adução, e abdução, e sim em uma nova visão de cadeias cinéticas.

No passado, os livros de anatomia nos ensinaram como um músculo move uma articulação isolada, e nenhum pensamento era dedicado a como este músculo atua durante o movimento. Em contraste, o conceito de cadeias cinéticas descreve grupos de articulações inter-relacionadas e músculos trabalhando em conjunto para realizar movimento”.Conjunto das articulações que formam uma cadeia.
Em termos simples, Gary Gray descreveu a função da extremidade inferior durante a locomoção:

“Quando o pé atinge o solo, cada músculo do tronco para baixo tem uma função simples. Os músculos da parte inferior (glúteos, quadríceps, isquiotibiais), agem em conjunto para prevenir que o tornozelo, joelho e quadril flexionem a fim de evitar uma queda no solo”. Nos termos de Gray, todos estes músculos têm a mesma função. Os músculos agem para desacelerar ou diminuir a flexão no tornozelo, joelho e quadril. Este conceito é duro de engolir inicialmente, mas após uma reflexão posterior, ele faz sentido.

 Na aterrissagem, o quadríceps é um extensor do joelho? Não, o quadríceps na realidade está contraindo excentricamente a fim de prevenir a flexão do joelho.

Os isquiotibiais são flexores do joelho? Neste caso os isquiotibiais tem um duplo papel prevenindo flexão do joelho e do quadril.

Quando se pensa dessa forma, as respostas se tornam mais óbvias e correspondentemente mais fáceis de aceitar.

Na fase de aterrissagem da corrida, todos os músculos da extremidade inferior agem em conjunto para prevenir uma ação, não para causar uma.

Destaque para o momento em que o pé toca o solo na aterrissagem da corrida.

Uma vez que se tenha compreendido o conceito anterior, o próximo passo se torna mais simples.

Você agora deve compreender que após o atleta ter colocado o pé no chão e desacelerado a flexão, todos os músculos da extremidade inferior agem como uma unidade para iniciar a extensão no tornozelo, joelho e quadril. De fato, o quadríceps não está só estendendo o joelho, mas assistindo com a flexão plantar no tornozelo e extensão no quadril.

 Todos estes músculos agem excentricamente na primeira sequência para parar o movimento, então milissegundos depois agem concentricamente para criar movimento.

 Se estes conceitos começam a fazer sentido, você está no caminho para entender a ciência que está por trás do treinamento funcional. Quando um atleta se exercita numa cadeira extensora, ele está usando uma ação muscular e um padrão no sistema nervoso (N.T: referindo-se a um padrão de ligações neuronais que disparam o comando para realizar a ação, uma sequência de comunicação elétrica no cérebro por assim dizer) que nunca será empregado quando ele correr ou andar…”

Mulher fazendo a extensão de joelhos em uma máquina

Lendo o que foi escrito pelo Mike Boyle há quase uma década, começamos a entender que o conceito de Treinamento Funcional, ou como chamamos Treinamento Físico Funcional, tem relação direta com a evolução do entendimento da maneira como o corpo trabalha, da forma como diferentes sistemas interagem.

Na medida em que esse entendimento evolui ou que novos conceitos vão sendo apresentados, os treinamentos propostos por aqueles que compreendem e incorporam esses avanços vão mudando.

 

Abordagem Articulação por Articulação:

Outra importante evolução na forma como se vê o movimento, e que teve conseqüências práticas muito grandes para muitos profissionais que incorporaram o conceito, é a Teoria “Articulação por Articulação”.

Nascida de uma “conversa de bar” entre o fisioterapeuta norteamericano Gray Cook (o pai do já consagrado FMS – Functional Movement Screen) e seu compatriota, já citado neste artigo, Mike Boyle.

Ao discutirem os achados do FMS (mais sobre ele um pouco adiante neste artigo), Gray elaborou uma ideia que acabou rendendo o artigo (um clássico) escrito por Mike:

“A Joint by Joint Approach to Training” (“Abordagem de Treinamento Articulação por Articulação” seria uma tradução).

A ideia é simples, porém não menos brilhante:

O corpo pode ser descrito como uma pilha de articulações, com cada uma delas tendo uma função predominante de mobilidade ou de estabilidade. Sendo assim, cada uma dessas articulações tem uma necessidade específica no treino e cada uma delas tem níveis previsíveis de disfunção.

A imagem abaixo exemplifica a ideia.Alternância das funções de mobilidade e estabilidade articulares
O que chama a atenção é que o corpo alterna segmentos que necessitam de mais mobilidade com segmentos que necessitam de mais estabilidade:Tabela descritiva das funções articulares

 

Muitos pensam, e o autor do artigo cita isso, que grande parte das lesões musculoesqueléticas tem relação com essas funções articulares, ou mais precisamente com as disfunções articulares (exceto aquelas causadas por traumas, claro). Normalmente problemas em uma articulação se apresentam como dor na articulação acima ou abaixo.

No artigo que citei, Boyle usa o exemplo das dores na coluna lombar:

A perda da função da articulação abaixo da lombar, o quadril, afeta a articulação acima, ou seja, a perda da mobilidade no quadril produz uma compensação por parte da coluna lombar, afinal precisamos continuar nos movendo.

Se o quadril não faz o seu serviço a lombar vai fazer. O problema é que a coluna lombar é uma estrutura que deveria fornecer estabilidade e não mobilidade ao sistema (claro que a lombar tem alguma liberdade de movimento, mas não é esta sua função principal de acordo com essa teoria), quando a articulação supostamente móvel perde sua mobilidade, a articulação estável é forçada a se tornar mais móvel como compensação, tornando-se menos estável e subsequentemente dolorosa.

A consequência prática dessa teoria, da incorporação desse conceito dentro do treinamento, é fornecer ao sistema articular estímulos que normalizem suas funções, incorporando ao menos um (ou mais de um, dependendo da necessidade) exercício que melhore a função de cada uma das articulações envolvidas.

 

Exemplos:

 

Mobilização de Tornozelo:

Estabilidade Lombar:

Mobilidade Torácica:

 

Acesse a 2ª parte do artigo: Treinamento Físico Funcional – Parte 2

3 Comentários

  • Avatar jfklima1 disse:

    Oi, Marcus! Legal o texto, muito claro e simples como sempre. Minha dúvida é: No exemplo utilizado para mobilização torácica me parece um exercício de mobilização Gleno-umeral, ombro, já que o tórax e lombar estão neutros, as escapulas estabilizadas e somente o quadril e o braços estão em movimentando. Como o tórax não apresenta flexão, extensão nem rotação no exemplo fiquei na dúvida!? Abç!

  • Avatar Marcus Lima disse:

    Certo amigo, no vídeo que citaste o que aparenta é que não há um aparente movimento na torácica, como disseste a lombar está em posição neutra (e a flexão do quadril ajuda a que não haja extensão lombar, algo que não desejamos neste exercício), as escápulas bem posicionadas e estabilizadas e a glenoumeral flexionada.
    Mas o que garante a todo este complexo escapular funcionar como deve???? Exatamente o que estás pensando: A extensão torácica!!!
    Sem a extensão torácica (que é o nosso alvo neste exercício), as escápulas não estarão bem posicionadas e assim impossibilitadas de fornecer estabilidade a este sistema, como a glenoumeral é totalmente dependente da movimentação escapular (um lema que aprendi é: “Aonde a escápula vai a glenoumeral vai atrás) sem o seu bom posicionamento (garantido por sua vez pela mobilidade da torácica em extensão) qual seria a consequência?
    Impacto sobre as estruturas ao redor: bursa sub-acromial, tendão do supraespinhoso, etc
    O resultado disso tudo não é difícil de imaginar, uma provável lesão no ombro.
    Será que fez um pouco mais de sentiido agora o exercício?
    Bacana que gostaste do texto.
    Grande abraço.

  • […] Continuando com o artigo falando em termos gerais do meu entendimento do que o tema significa para mim, para aqueles que não leram a primeira parte aí vai o link: Treinamento Físico Funcional – Parte1. […]

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