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Força???

Por Marcus Lima em 28 de novembro de 2014

Artigo polêmico de Gray Cook, fazendo uma reflexão na definição de “Força”. Gray já é um fisioterapeuta americano bem conhecido (por nós brasileiros), mas que transita na área do treinamento também, transita nas duas áreas. Li críticas de profissionais brasileiros respeitados e conhecedores de seu ofício em relação a este artigo, de que Gray não sabia do que estava falando, etc… Não farei juízo de valor do artigo ou das críticas, deixo que os colegas leiam e façam seu julgamento.
Grande abraço.

 

Força?

Gray Cook

 

Olhando para trás e analisando o DVD Essentials of Coaching and Training Functional Continuums que fiz com Dan John e Lee Burton, percebi o quão frequentemente mencionamos a palavra “Força” (N.T: Ele usa a palavra Strength, no sentido de força muscular).

Este é potencialmente o tópico mais polarizado que jamais abordei, somente porque sinto que muitos pensariam que estou dizendo que força não é importante.

Não estou.

Estou dizendo que a palavra Força não possui o nível de comunicação e responsabilidade que deveria.

Quando falta clareza a um termo tão valioso para o desenvolvimento físico, ele perde um pouco sua utilidade. Tornando-se algo que todos discutem, mas que cada um valoriza de maneira diferente. Se força é fundamental, porque não temos valores e parâmetros normais, como temos para avaliar a visão (20/20) ou a pressão arterial (120/80 mmHg). Por que é tão difícil?

É difícil porque queremos discutir força específica antes de força geral – um panorama míope e insustentável. A fundação para a força específica em longo prazo, seria uma base geral sólida.

Palavras como Força e Flexibilidade, podem ser aplicadas a uma pessoa fazendo referência a sua força de vontade ou adaptabilidade, ou elas podem ser aplicadas a um atributo físico. Para o propósito deste artigo, estaremos definitivamente falando a respeito do atributo físico que a palavra Força representa. Tendo dito isto, digo que tenho uma relação de amor e ódio com esta palavra.

Quando você a ouve, pensa em levantar pesos ou pensa em capacidade de trabalho? Seja honesto consigo.

Por muito tempo, eu pensei em força como sinônimo de levantar peso. Mas não é sempre o caso.

 

Tendo crescido em uma comunidade rural, eu pensava em força como habilidade para trabalhar (N.T: Ele usa a palavra ability que tanto pode significar habilidade como capacidade). Então fui introduzido à sala de musculação no ensino médio e na faculdade, daí passei a pensar em força como levantar pesos. Agora, como profissional com um quarto de século de educação, erros e meditações sobre o assunto……voltei a pensar em força como habilidade para trabalhar.

Se você pratica um esporte de força (N.T:Levantamentos Básicos, Powerlifting em inglês, ou Levantamento de Peso Olímpico, Olympic Weightlifting em inglês), então penso que o foco deveria ser o levantamento de pesos.


Se pratica um esporte que preza capacidade de trabalho, então levantar pesos não seria necessariamente a única maneira de gerar força. Eles são no entanto, uma parte muito importante para gerar força em padrões apropriados. Duas questões precisam ser analisadas pelo profissional em um esporte que não envolve diretamente o ato de levantar pesos:
– Qual o padrão vital a ser fortalecido?
– Qual a dose mínima efetiva para conseguir o objetivo?

Quando uso as palavras “Capacidade de Trabalho”,  poderia aplicá-las ao atleta tático (N.T: Refere-se aos integrantes de operações especiais, fuzileiros, etc. Forças policiais ou militares geralmente caem nessa categoria de “atleta tático” em uma tradução literal), ao golfista sênior ou até uma ginasta de 10 anos de idade. Capacidade de Trabalho é a integridade de posturas e padrões contra a fadiga através do tempo (N.T: Essa seria a tradução mais literal, o que trocando em miúdos seria: A capacidade de manter a integridade de padrões e posturas pelo maior tempo possível). Cada atleta ou entusiasta do esporte tem que confrontar o ponto onde a fadiga reduz sua precisão técnica e desenvolvimento de suas habilidades.

Deixe-me simplificar o termo “Capacidade de Trabalho”.
Se estamos falando a respeito de repetições:
Qualquer repetição com integridade deveria levar um A ou um B em uma “escala de pontuação qualitativa de força”. Qualquer repetição sem integridade deveria merecer um D ou um F nessa tal escala. Se você ainda não se decidiu em relação à integridade dos movimentos, estará preso para sempre em um C.

Quantas repetições imperfeitas você teve tempo de fazer hoje? Se você não tem um medidor de integridade dos movimentos ou uma forma de quantificar a qualidade dos movimentos, nunca será capaz de verdadeiramente valorizar capacidade de trabalho.

Queremos fortalecer os atletas e pessoas ativas para que possam perseguir as atividades que querem e desenvolver as habilidades que desejam. Não se pode perseguir o desenvolvimento de habilidades técnicas, atividades que requerem capacidade física ou complexidade de movimentos, se falta resistência geral ou básica à fadiga. Uma vez que a fadiga se inicie, sua propriocepção, concentração, respiração e sua fisiologia começam a sofrer. Tudo sofre com a fadiga.

Integridade

Esse estado de sofrimento é uma plataforma ruim para a prática (N.T: Ele usa a palavra em inglês “Practice”, que pode significar “prática” ou “treinamento”, dependendo do contexto). Eu uso a palavra prática porque quando estamos desenvolvendo uma habilidade, estamos falando a respeito de precisão técnica. Quando falamos a respeito de treinamento, nos referimos a um mínimo de precisão técnica e vemos quanto volume podemos colocar antes que cruzemos a linha na areia: Integridade.

Não me entenda mal. Penso que força é uma palavra nobre, mas a usamos de maneira tão ampla e rasa que nenhum grupo que necessite discuti-la consegue concordar sobre o que significa. Por falta de uma melhor definição e em minha humilde apreciação da palavra, força é capacidade de trabalho.

Se é capacidade de trabalho, pare de chama-la de força.

Força na minha opinião, é uma sub-categoria que é integral à capacidade de trabalho – provavelmente a habilidade de usar tensão muscular para desempenhar trabalho ou proteger um espaço – usar seus músculos para proteger sua amplitude de movimento, postura, o ponto em que se está ocupando no espaço e o mundo ao redor. É esta resistência a forças externas que podem causar dano a você, tira-lo de seu equilíbrio ou tirá-lo de seu caminho. É a força muscular também que lhe permite desempenhar trabalho ao mover suas articulações com a máxima eficiência (a dose mínima eficaz que discuti anteriormente).

Força
CAPACIDADE DE TRABALHO

(N.T: Se formos recorrer à física vemos que as duas palavras estão relacionadas: Trabalho e Força. A definição de Trabalho na física clássica é: O termo trabalho é utilizado quando falamos no Trabalho realizado por uma força, ou seja, o Trabalho Mecânico. Uma força aplicada em um corpo realiza um trabalho quando produz um deslocamento no corpo. Sua fórmula é: τ = F.Δs, onde τ – trabalho; F – força; s – deslocamento.
Desdobrando essa fórmula temos: τ = m.a.Δs, onde m – massa; a – aceleração.    
Quem não lembra da física do ensino médio, onde resolvíamos problemas como este: 

Qual o trabalho realizado por um força aplicada a um corpo de massa 50kg e que causa um aceleração de 1,5m/s² e se desloca por uma distância de 100m?

τ = F x Δs

τ = 50 x 1,5 x 100

τ = 7500 Joules).

 

Este trabalho precisa ter certo nível de integridade ou será apenas movimento desperdiçado, e a natureza não aprecia coisas que não são econômicas. No grande esquema das coisas, fazer aquelas 5 repetições extras com a perda de integridade, provavelmente não trará muito retorno. Você provavelmente fez algumas repetições a mais que seu parceiro, mas cruzou a linha que os grandes nunca cruzam (N.T: Referência à linha de Integridade).

Fora dos esportes de levantamento de peso, o quanto bem um levantamento pode fazer, se ele não se transfere para outra coisa?

Digamos que alguém esteja treinando para entrar para as forças armadas, e vá para o campo de treinamento da marinha em Parris Island (N.T: Instalação militar dos Estados Unidos, localizada em Port Royal, no estado da Carolina do Sul). Acreditem em mim, eu tenho alguns camaradas que foram para este lugar, e quando retornaram eles pareciam muito diferentes do que quando entraram.


Todos eles foram para a sala de musculação e correram morro acima, fazendo diferentes coisas para endurecerem seus corpos e se prepararem para o trabalho que os espera. No entanto, o que fizeram no campo de treinamento foi mais relacionado a levantarem seu peso corporal e serem competentes nisso, assim como fazerem tarefas com equipamento nas costas, seja numa escalada de 10 milhas (N.T: Cerca de 16 km), uma escalada de 10 milhas com equipamento às costas, ou um monte de flexões na barra fixa, apoios no solo, etc. Não importa.

Nada na sala de musculação, não importando quantas séries, repetições ou grupos musculares treinassem em um dia faria diferença. O ambiente  em que pisavam fora da sala de musculação era onde tinham de colocar todo o esforço para desempenharem bem. Se a razão pela qual você está levantando pesos é criar capacidade de trabalho para algo que será valioso fora da sala de musculação, nunca deixe seus treinos na sala de musculação interromperem o desenvolvimento da sua capacidade de trabalho.

Uma das coisas que me fazem engasgar, é quando pergunto às pessoas: Pode me dê uma representação da sua força? Todos lhe dão o número de 1 repetição máxima ou 3 repetições máximas em algum levantamento que fizeram 5 anos atrás.

Odeio dizer isso, mas 5 anos atrás não é mais quem eu sou agora. Isto é verdadeiro para a maioria das pessoas. Força deveria ser reportada numericamente e cientificamente em diferentes avaliações de capacidade de trabalho, porque é como sempre digo:
– Se você treina o teste que usamos para medir, o teste torna-se obsoleto como marcador biológico.

Uma maratona é uma representação (leve e de longa duração) de capacidade de trabalho e o exercício “fazendeiro” (N.T: Farmer walk ou farmer carry em inglês), com um peso substancial, é uma representação de capacidade de trabalho (curta e pesada). Ambas atividades necessitam de suas próprias posturas e padrões para que sejam bem sucedidas – as posturas tem de ter integridade, os padrões tem de ter economia.

Se começarmos a treinar para um teste, como o vestibular, na 8ª série, e fizermos as provas todo mês de nossas vidas até o final do ensino médio, não tenho certeza se o vestibular representaria o sucesso no primeiro ano de faculdade, que é a finalidade para a qual o teste foi projetado.

Você pode praticar um determinado teste e depois anunciar a alguém:
– Eu sou forte porque levanto (X) kg no levantamento terra.

Alguém pode replicar:
– Quantas vezes tu consegues subir correndo aquela ladeira?
– Quantos kg consegues carregar no fazendeiro?
– Quantas barras consegues fazer?

Não estão desafiando sua força, estão desafiando sua definição estreita de força.

A maioria das verdades universais, não pode ser comunicada em palavras, mas as palavras certas, podem ao menos ser valorizadas como uma experiência comum a quase todas as pessoas. Se pudéssemos pegar a atual forma de uso da palavra força e literalmente matá-la, pregá-la na parede e deixar que morra, então estaríamos valorizando capacidade de trabalho, que é a razão pela qual a maior parte de nós levanta pesos em primeiro lugar. Quando isso acontecer, penso que podemos criar uma definição melhor e mais útil para a palavra Força, uma palavra que nunca pediu para ser mal usada em primeiro lugar.

 

Acesse a parte 2: Força? – Parte 2.


Artigo original: Strength?

Instituto Fortius