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Entendendo a Mobilidade – Parte 1

Por Marcus Lima em 21 de abril de 2017

Neste artigo, Entendendo a Mobilidade – parte 1, Dean Somerset retrata principalmente a influência neural na mobilidade e como podemos usá-la a nosso favor. 

O artigo original não é dividido, mas como de hábito, resolvi dividir para não ficar muito extenso e facilitar a leitura.

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Entendendo a Mobilidade (Parte 1)

Dean Somerset

 

Mobilidade é um daqueles conceitos, espalhados no meio do fitness, que possuem uma variedade de descrições, meios e métodos de serem implementados. Sem, no entanto, um entendimento se isso é necessário ou se alguma melhora é mesmo possível.

Uma definição potencial de mobilidade é:
– A amplitude disponível de movimento de uma articulação em determinada direção.

Outra é:
– A habilidade global de se mover através da amplitude de movimento.

Ainda, outra poderia ser:
– O comprimento de um músculo.

Todas estas têm similaridades, mas são em si, muito diferentes uma da outra.

Mobilidade articular, na definição da maioria dos dicionários médicos:
– É a habilidade de uma articulação de se mover através de sua amplitude de movimento por meio de diferentes planos. Isto é dependente das características das articulações individuais, assim como do suporte dos músculos, ligamentos, da cápsula articular e da anatomia das superfícies que se articulam.

Flexibilidade, na definição mais comum dos dicionários:
– Refere-se à amplitude absoluta de movimento em uma articulação ou série de articulações, e comprimento nos músculos que cruzam as articulações para induzir o movimento dessas estruturas.

 

Ambas definições poderiam definir o que é conhecido como “amplitude de movimento passiva”, ou o que é obtido com o mínimo retorno de informação do indivíduo (N.T: Retorno de informação é uma tradução livre de “Feedback”) e não está sujeito a dicas conscientes.

Elevação passiva da perna: www.fiveringsathletics.com

Elevação passiva da perna (Photo credit: www.fiveringsathletics.com)

“Amplitude de movimento ativa” é a quantidade que o indivíduo consegue mover os membros através de comandos conscientes. Por exemplo, se eu avalio a flexibilidade dos isquiotibiais de alguém com a subida passiva da perna, estou analisando a quantidade de amplitude de movimento que ele possui com os quadris em flexão. Um versão ativa deste teste faz com que ele eleve a perna para o quanto de flexão é capaz, naquela determinada direção, sem qualquer auxílio.

Active straight leg raise. Photo credit: www.fisiobrain.com

Elevação ativa da perna (Photo credit: www.fisiobrain.com)

 
Em muitos casos, a amplitude passiva de movimento alcançável em qualquer articulação será maior do que a amplitude de movimento ativa que pode ser obtida. Muito disso é devido à habilidade contrátil limitada de qualquer músculo em sua posição mais encurtada.

Podemos ver que a tensão ativa cai significativamente antes do final do comprimento disponível do músculo, e que a tensão remanescente aplicada na articulação é devido ao alongamento dos ligamentos e da cápsula articular, não necessariamente através dos músculos que moveriam àquela articulação naquela posição em primeiro lugar.

(N.T: A curva comprimento-tensão diz respeito ao máximo de tensão que um músculo é capaz de gerar. Isso acontece quando o comprimento dos sarcômeros, a menor unidade contrátil, é a ideal. Quando os sarcômeros estão encurtados, à esquerda do meio da curva, a quantidade de tensão que pode ser gerada é menor. Assim como quando os sarcômeros estão alongados, à direita da curva).

Também existe o conceito de insuficiência para chegar nessa posição, normalmente mediada por insuficiência passiva ou ativa:

–  Na insuficiência passiva, simplesmente não se tem o comprimento para permitir alcançar aquela amplitude de movimento. Por exemplo, tentar fazer uma flexão do quadril com o joelho estendido em comparação com o joelho flexionado. Se a subida da perna com o joelho estendido é reduzida, mas com o joelho flexionado a subida é enorme, existe provavelmente uma insuficiência passiva dos músculos da cadeia posterior: coluna lombar, glúteos, isquiotibiais e panturrilha.

– Uma insuficiência ativa é a inabilidade de produzir força muscular para chegar naquela posição. Outro exemplo é usar a flexão do joelho para algo como o alongamento do quadríceps. Uma insuficiência passiva quer dizer que o indivíduo não conseguiria sequer pegar o pé e trazê-lo até o glúteo porque algo está resistindo a isso.

(N.T: Poderíamos dizer que na insuficiência ativa o movimento cessa ou se torna enfraquecido devido à sobreposição excessiva dos sarcômeros do músculo ou músculos que estão realizando o movimento. Já na insuficiência passiva, o movimento cessa ou se torna enfraquecido devido à tensão passiva no músculo ou músculos antagonistas ou ainda, em outras estruturas de tecido conjuntivo, como ligamentos, tendões, fáscia).

Uma insuficiência ativa seria a falta de capacidade para replicar aquela posição de maneira eficaz, ou ao menos conseguir chegar perto do componente passivo.

Neste exemplo, se eu sou capaz de tocar meu calcanhar no glúteo (e sou) mas finalizo o movimento “ativamente” somente usando esta amplitude de movimento, há uma insuficiência de cerca de 30º (como mostrado no vídeo acima). Se você quiser tentar a sorte nesse movimento (o do vídeo acima), se prepare para algumas cãibras nas primeiras tentativas.

Até agora temos debatido somente a potencial amplitude de movimento disponível, sem influência de variáveis externas. Eu tenho falado sobre potenciais limitações estruturais para amplitude de movimento (N.T: No artigo: Beyond Butt Wink: Hip Shape, Injuries, and Individual Ability – Part 1. Artigo adaptado no Blog Limatreinamento sob o nome “Além do Arredondamento da Lombar no Agachamento”) , então não entrarei em muitos detalhes aqui.

Ao invés de analisar os aspectos de hardware (N.T: Ou seja, aspectos estruturais) da mobilidade, vamos passar algum tempo analisando o software (N.T: Ou seja, aspectos de controle motor).

O cérebro e o sistema nervoso periférico são alguns dos maiores determinantes da mobilidade existente, entender isso e usar de maneira eficiente pode fazer a diferença entre um programa de exercícios de mobilidade que funciona e um que não.

O cérebro controla a tensão muscular consciente e inconsciente e, ainda, a contração e relaxamento muscular reflexos. Em pacientes anestesiados, alguns estudos têm mostrado aumento imediato na amplitude muscular, uma vez que a entrada de informações neural é removida (N.T: O que em inglês chama-se input neural).

A paralisia cerebral comumente vem com espasticidade muscular hemisférica, significando que os músculos estão cronicamente “travados” em uma posição encurtada. Uma condição conhecida como ossificação heterotrópica se desenvolve no lado afetado de pessoas com distúrbios cerebrais hemisféricos e cerebelares, mas não no lado não afetado, o que acaba reduzindo a amplitude de movimento significativamente naquelas articulações afetadas.

(N.T: Ossificação heterotrópica é a condição patológica em que se desenvolve tecido ósseo fora do esqueleto).

Pacientes em coma, mesmo aqueles de idade bem avançada e bastante degeneração, podem comumente exibir grandes amplitudes de movimento nos quadris e na coluna quando não existe entrada de informações neurais ocorrendo.

Paraplégicos podem sofrer com contraturas, que é um encurtamento e rigidez fibrótica no tecido muscular, que vem com o desuso e as posturas sentadas, mas ainda podem exibir contrações vindas de espasmos musculares em resposta à mudanças nos ângulos e velocidades articulares.

Ocasionalmente, estes espasmos são oscilações como ondas ou contrações musculares que aumentam e diminuem em amplitude e frequência, e às vezes, são apenas contrações consistentes por poucos segundos ou minutos, e em outras podem ser contrações tetânicas que duram um bom tempo (N.T: Nesse caso o termo contrações tetânicas é empregado para designar contrações sustentadas).

(N.T: Acima o vídeo mostra espasmos generalizados em um indivíduo com quadriplegia).

Estes espasmos são inteiramente desprovidos de entradas de informação central, são provavelmente devido a circuitos (N.T: Do inglês “loops”) de reflexos espinhais que fazem com que os músculos contraiam em resposta à algo.

Um exemplo destes circuitos de reflexos espinhais é a resposta do joelho ao martelo de borracha do médico quando testa o reflexo do tendão patelar.

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Podemos trabalhar fora destes circuitos de reflexos espinhais para criar um aumento ou decréscimo de mobilidade no corpo inteiro.


N.T: Aos que têm dificuldades na compreensão de um vídeo mais longo em inglês aqui vai um resumo:

  • Nesse experimento, o autor do artigo fez uma série de testes. Nenhum deles com óbvias assimetrias ou problemas, mesmo assim obteve indícios de que havia algum problema com o quadril/core esquerdo. O que mais se destacou nos testes foi a falta de rotação interna do quadril esquerdo, ao invés de cerca de 45º nessa posição, ela chegava a cerca de 10º.
  • Uma vez determinado que poderia haver algum problema de estabilidade/controle motor no quadril/core no lado esquerdo, ele estimulou a estabilidade nessa área ao passar alguns poucos minutos fazendo a prancha lateral (só no lado esquerdo). Arrumou constantemente a posição manualmente, e pedia para que a executante tentasse repetir o posicionamento correto após uma pausa. Até que se deu por satisfeito com a execução. Após isso retestou a rotação interna do quadril esquerdo e esta melhorou substancialmente, indicando que de fato a rigidez da rotação interna do quadril era um tônus de proteção contra a falta de estabilidade no lado esquerdo do core. 


Este aumento no DRIVE NEURAL causou um relaxamento reflexo em seguida à atividade, o que ajudou a aumentar a amplitude de movimento. Isso também ajuda a reduzir a proteção ao aumentar a ativação muscular ao redor da coluna.

(N.T: Em palavras mais simples, isso significa que ao reorganizar o lado esquerdo do quadril/núcleo, enviando estímulos para que funcionasse corretamente, o tônus de proteção, que impedia a rotação interna do quadril, diminuiu bastante).

Uma reação similar para aumentar o estímulo neural pode ser vista aqui, onde raspar o masseter, de uma maneira dolorosa, causa um pico de estímulo neural no corpo inteiro, e a remoção do estresse causou uma redução recíproca no tônus de proteção, mais ou menos da mesma forma de que quando um massoterapeuta aperta um nódulo tenso e quando a intervenção termina a pessoa se sente mais relaxada.

(N.T: No vídeo abaixo é aplicado um estímulo estressor que aumentou, provavelmente de maneira momentânea, a mobilidade no quadril).

O músculo sendo trabalhado por si só não é a chave para produzir uma nova amplitude de movimento, mas sim a aplicação sistêmica de um estressor neural a que o corpo, de uma maneira ou outra, tem de se adaptar.

Este é um dos principais efeitos do sistema nervoso autônomo, o sistema de “luta ou fuga”, que causa um aumento na resposta neural, cardíaca e endócrina e ajuda o corpo a responder a um estímulo estressor, ajudando o indivíduo a se defender ou fugir dos problemas.

Se o corpo está em um estado de baixa ansiedade, a amplitude passiva e ativa de movimento será maior do que se estiver em um estado de estresse e ansiedade. Aqui vai uma demonstração simples do processo:


(N.T: O autor faz o teste passivo de subida da perna. Antes do reteste, foi pedido para que o indivíduo realizasse uma curta série de “respirações pulsadas”.

A respiração que ele chama de pulsada são expirações forçadas, como se fosse cuspir em algo ou alguém, sem cuspir de fato, claro. Após a série de respirações pulsadas foi retestada a subida passiva da perna, com um bom aumento na mesma.

Esse seria um estímulo positivo, que diminui o tônus da cadeia posterior. Após ele dá um tabefe no ombro do avaliado, no reteste a amplitude de movimento é menor. Essa seria um estímulo negativo, que aumenta o tônus da cadeia posterior).


A respiração pulsada aumentou o drive neural e produziu um estado de consciência aumenta em um “estado de prontidão”, que é essencialmente o objetivo de qualquer aquecimento de atletas de elite, mesmo quando não usam a técnica exata.

Dar um tapa no ombro produziu um estímulo nocivo que fez o corpo pensar que algo estava errado, e a resposta foi aumentar a tensão para produzir maior força muscular ou uma resposta de contração. Tal como se ele tivesse que rolar para fora da maca em resposta a um agente estressor.

Algumas pessoas podem estar em um estado quase que constante de estimulação simpática (N.T: No estado chamado de “luta ou fuga”), sempre no limite ou demonstrando mais ansiedade em comparação com outras.

Pessoas que quando estão sentadas ficam constantemente batendo com a mão no pé ou excessivamente agitadas (N.T: Ou que ficam constantemente mexendo as pernas quando estão sentadas), relaxar é difícil para elas.

Em uma revisão sistemática (N.T: The sympathetic nervous system and tendinopathy: a systematic review. Sports Medicine, 2015), foi demonstrado que aqueles que têm uma atividade do sistema nervoso simpático maior do que a média, também reportaram um aumento na resposta de dor tendínea.

Isso pode ser devido à constante tensão sendo enviada ao tendão e, consequentemente, receber pouco tempo de recuperação como resposta, ou talvez esses indivíduos sejam hipersensíveis ao seu ambiente. De uma forma ou outra é uma conexão interessante.

Na minha experiência, as pessoas que são mais “simpático-dominantes” ou “no limite” tendem também a serem mais tensas e não respondem bem a técnicas de mobilidade ativas e passivas. Eles tendem a ter uma tensão de repouso que pode fazer com que sejam mais elásticos, o que os faz serem razoavelmente bons em corridas de longa distância e de certa forma a não quebrar facilmente.

Atividades que promovem um maior estímulo parassimpático também tendem a produzir aumentos na amplitude de movimento. Ioga, tai chi, qui gong e meditação usam métodos de respiração que têm sido ligados à estimulação parassimpática, e estas técnicas de respiração também são as favoritas de dançarinos e ginastas para serem utilizadas em alongamentos extremos. 

O principal método para estimular conscientemente o sistema parassimpático é uma respiração longa, lenta e profunda, tanto na inspiração quanto na expiração.

Pense em:

  • 5 segundos para inspirar (de maneira longa e suave).

  • expirar por até 8 segundos a cada respiração.

A expiração é mais uma liberação do ar do que uma expulsão do ar (N.T: Ou seja, de maneira suave e relaxada). Fazer esta respiração por 1 ou 2 minutos pode ter enorme efeito no drive neural (N.T: Ou seja, diminuindo o fluxo de estímulos para os músculos hiperativos) através do corpo e também na mobilidade.

Tente o seguinte:

– Levante e tente tocar os dedos dos pés (com os joelhos em extensão). Veja o quão próximo consegue chegar. Se já consegue tocar o solo, deixe para os que não conseguem. A seguir, faça 5 respirações longas e lentas (como descrito acima) e depois refaça o teste e veja o que acontece. Existem boas chances de que haja um aumento da amplitude de movimento que você está usando.

 

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Confira a parte 2 deste artigo: Entendendo a Mobilidade – Parte 2

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