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Cabeça para Cima!

Por Marcus Lima em 04 de dezembro de 2014

Um grande artigo do Pavel Tsatsouline falando sobre a posição da coluna cervical durante exercícios de força.

Pavel é o criador da empresa StrongFirst (considerada uma escola de treinamento de força), e já bem conhecido como o re-introdutor do treinamento com kettlebells nos Estados Unidos. Os argumentos dele vem em contraponto de um conceito de manter o pescoço neutro, encaixado em outras palavras, durante levantamentos que usam o quadril como dobradiça: o levantamento terra, swing e variações de levantamentos de peso olímpico.

Há algumas semanas eu conversava sobre isso com um amigo que trabalha nos Estados Unidos e ele me dizia justamente isso que Pavel explica neste artigo, como essa tese de pescoço encaixado caiu em descrédito por lá. Comparem o artigo abaixo com outro que traduzi há 3 anos no blog Limatreinamento: Pescoço Encaixado. O autor é Charlie Weingroff, um dos que difundiram grandemente essa técnica de pescoço encaixado (não sei se ainda o faz).
Leiam os 2, comparem e tirem suas próprias conclusões.

 

Cabeça para Cima.

Pavel Tsatsouline

 

Alguns anos atrás, uma estranha ideia surgiu do mundo clínico: A cabeça de inseto.

O pessoal de jaleco branco começou a dizer aos levantadores para travarem a  cabeça alinhada com o tronco durante levantamentos que usam o quadril como dobradiça principal: levantamento terra, arranco, kettlebell swings, etc.

Peço-lhes para não se deixarem ficar atolados pela ciência e pseudo-ciência de seus argumentos. Ao invés disso, peço que respondam 2 questões:

 

1. Existe alguma epidemia de problemas no pescoço naqueles que usam a técnica tradicional (cabeça para cima e pescoço em extensão) entre powerlifters, levantadores de peso olímpico e atletas de kettlebell?

 

A resposta é: Não.

Claro que alguns atletas, de qualquer esporte, têm problemas no pescoço, boa sorte ao tentar relacionar isso à extensão do pescoço nos levantamentos que usam a dobradiça do quadril. Alguns powerlifters têm problemas na cervical, a maior parte deles por pressionar a cabeça contra o banco de maneira muito agressiva ao fazer um supino. Alguns levantadores de peso olímpico e atletas de kettlebell também têm seus problemas de pescoço, geralmente por fazerem um movimento em chicote na cervical de maneira inapropriada. Mas ter problemas simplesmente pelo fato de manter a cabeça alta nos levantamentos, algo que vem fazendo desde que eram bebês? Penso que não.

 

Brett Jones, Master SFG (N.T: SFG é a certificação conferida pela empresa do Pavel, Master é a denominação que ele dá aos instrutores de tal certificação), tem observado que algumas pessoas podem ter problemas quando sua extensão torácica é limitada. Nesse caso, a coluna cervical tem de compensar para manter os olhos ao nível do horizonte e entra em hiperextensão.

Então qual é a resposta?
Consertar a falta de mobilidade torácica aplicando exercícios corretivos ou intervenção médica se houver essa necessidade.

A resposta NÃO é idiotizar as técnicas clássicas a fim de acomodar disfunções. Isso seria como pedir ao nosso governo para diminuir os padrões de exigência no recrutamento das forças armadas porque apenas alguns poucos recrutas conseguem passar nos testes.

De fato, pode existir algumas questões médicas em alguns casos, quando um médico diz ao paciente que ele ou ela precisam manter a cervical neutra ao executar os exercícios mencionados. Se esta é uma ordem médica, obedeça. Um exame de raio-x de um paciente em particular não deve nunca ser confundido com um procedimento operacional padrão para populações saudáveis.

Agora quanto à segunda questão:

 

2. A nova técnica melhorou a performance dos levantadores de elite?

 

A resposta é: Para alguns. E essa técnica está longe de ser nova.

Hugh Cassidy e Franco Columbu usaram isso décadas atrás. Uma revisão da técnica de campeões no levantamento terra revela uma grande variedade de posições da cabeça. Andy Bolton, quebrou a mística barreira das 1000 libras (N.T: 453,5 kg aproximadamente) com uma posição da coluna cervical neutra – ele fixava o olhar em um ponto cerca de 6-10 pés a sua frente (N.T: 1,82 – 3 metros aproximadamente) no início da puxada.

Andy Bolton

Lamar Gant, o primeiro homem a puxar 5x seu peso corporal, levantou 661 libras (N.T: Aproximadamente 300 kg) no levantamento terra, pesando 132 libras (N.T: Aproximadamente 60 kg), fazia a puxada com uma cervical extremamente estendida.

Lamar Gant

Mover seu corpo em uma ou outra posição é frequentemente uma troca. Estender o pescoço ajuda a ativar a cadeia posterior, enquanto que enfraquece os abdominais e os quadríceps. Um powerlifter talentoso, com a ajuda de seu treinador ou através de grande consciência corporal, eventualmente descobrirá a quantidade correta de troca para si.

Somente powerlifters competitivos deveriam fazer isso, levantadores de peso recreacionais ou atletas de outros esportes deveriam seguir o guia para levantamento de peso olímpico e kettlebells abaixo.

A contrário do levantamento terra que é um movimento lento, os levantamentos rápidos (com barra ou kettlebells) não toleram variação no alinhamento do pescoço. Existe somente uma maneira: Cabeça para cima!

Se um campeão de levantamento de peso olímpico faz um clean facilmente  (N.T: Movimento de pegar a barra no chão e colocá-la no ombro) com 500 libras (N.T: Aproximadamente 226 kg), ele consegue fazer um levantamento terra com algumas centenas de libras a mais. Então roubar de Pedro (a cadeia posterior) para dar a Paulo (os quadríceps e os abdominais) seria uma perda de tempo, já que Pedro faz a maior parte do trabalho nos levantamentos rápidos.

Aqui está um exemplo de como posicionar o pescoço nos levantamentos rápidos (em EXTENSÃO). A lenda do levantamento de peso olímpico soviético, o Armênio Yurik Vardanyan mostra como se faz. Seu recorde no peso total do arranco e arremesso permanece intocado desde 1980.

O mesmo se aplica ao atleta de kettlebell. Ele não tem problema algum ao tirar o kettlebell da plataforma e sua coluna não é esmagada por cargas enormes. Sua missão é acelerar o, relativamente leve, kettlebell até 10G (N.T: 10x a aceleração da gravidade, que é aproximadamente 9,7 m/s²), esse trabalho é feito pela cadeia posterior. Então esse atleta precisa reforçar isso ao máximo, e a extensão cervical faz exatamente isso. Levante a cabeça (extensão, não hiperextensão) no início da puxada e toda a parte posterior irá imediatamente ser ativada, como um arco.

Trecho do livro Supertraining, um texto fundamental em se tratando de força:

“A posição da cabeça, tem um efeito poderoso na postura em geral… Como é bem conhecido na ginástica, a descida da cabeça inicia o movimento de um mortal de frente, assim como lançar a cabeça para trás inicia um mortal de costas… É vital usar a extensão do pescoço para facilitar uma poderosa contração dos músculos posturais do tronco durante todos levantamentos de peso a partir do solo. Essa ação de facilitação da cabeça, não deveria ser feita de modo a causar uma curvatura pronunciada das costas…[mas] de maneira a manter, da melhor maneira possível, a disposição neutra das costas, com suas 3 curvaturas naturais… O correto posicionamento da cabeça irá assegurar que as costas assumam uma postura onde os músculos eretores e os ligamentos espinhais dividam a carga de manter a estabilização do tronco… A ação dos olhos é relacionada de maneira próxima à ação da cabeça, então é essencial a fim de facilitar a postura correta, usar os olhos para guiar a cabeça em uma posição que seja mais apropriada para cada estágio de um determinado movimento. Geralmente, a posição neutra da coluna é mantida mais facilmente se os olhos estiverem mirando diretamente a frente e fixos em um objeto distante”.

Nós da StrongFirst, aceitamos o que está escrito acima como nosso padrão.

A única pessoa que conheço capaz de administrar um swing hard style perfeito (N.T: Hard Style é a denominação da maneira pela qual Pavel executa e ensina os movimentos básicos do kettlebell. Segundo sei, é o estilo criado por ele, que denomina hard style, ou estilo duro em uma tradução livre), com potência e graça enquanto mantém a cervical próxima do neutro é o Master SFG Brett Jones. Ele adicionou alguns nuances em relação às nossas recomendações padrão e oferece algumas opções para algumas pessoas:

“Se você está sentindo um puxão na cervical em extensão durante a fase excêntrica do swing, então é mau sinal. Se os braços estão conectados ao corpo e você escolhe sustentar a extensão cervical, então é uma coisa muito boa. Quando eu tento manter meus olhos na parede a minha frente na fase de descida do kettlebell, sinto um puxão na hora da extensão cervical e não sinto que isso me faça bem. Para mim, é muito melhor manter meu olhar focado em um ponto mais próximo (4 a 6 pés à minha frente) (N.T: Aproximadamente 1,2 a 1,8 metros)“.

(N.T: Abaixo um vídeo onde o Brett Jones demonstra um swing com 1 mão e depois um “snatch” ou “arranco” em português, a versão com o kettlebell do movimento clássico executado com uma barra olímpica).

Brett adiciona que ele faz uma ligeira extensão cervical, ainda que esteja mirando o olhar em um ponto muito próximo. Ele observa ainda, que a maioria das pessoas que PENSA estar em uma posição de cervical neutra, está na realidade em flexão.

Master SFG Brett Jones, fazendo swings em uma plataforma de força

Ele também alerta contra a hiperextensão. É fácil fazê-la se estiver fazendo swings com as pernas quase em extensão máxima (N.T: Joelhos travados). Se seus joelhos estão quase retos no início do swing, o tronco irá ter de assumir uma posição quase paralela ao solo. O que significa que olhar diretamente à frente só seja possível hiperestendendo a cervical. Lembre-se que um swing hard style é relacionado a um salto, e como tal, demanda alguma flexão do joelho – não ao ponto de um agachamento, mas o suficiente para ativar os glúteos.

 

Resumindo:

1. A recomendação padrão para o swing é manter o olhar no horizonte, o que irá colocar a cervical em uma extensão média no início do movimento – desde que se tenha uma extensão torácica adequada e os joelhos não estejam retos. Na academia, o “horizonte” pode ser onde a parede encontra o chão se estiver em uma distância maior, um painel elétrico, etc. Notem que o “horizonte” é mais baixo que o nível dos olhos.

2. Se a coluna torácica não tem a mobilidade necessária para que se mantenha o olhar em frente no início do swing sem hiperestender a cervical, procure um especialista para que isso seja corrigido antes de fazer kettlebell swings.

3. Se existe a mobilidade requerida e os joelhos não estão ficando retos, e ainda assim não sinta seu pescoço confortável no início do swing, assegure-se de que os latíssimos do dorso e não seus trapézios absorvem a força da descida do kettlebell. Se a técnica estiver correta, você é saudável, e o pescoço ainda não estiver confortável, experimente focar o olhar em um ponto mais próximo no início do movimento, aproximadamente 5 a 10 pés à sua frente (N.T: 1,5 – 3 metros aproximadamente).

4. Nunca chicoteie o pescoço em extensão ou faça uma protração da cabeça (pescoço de galinha) no início ou final do swing.

 

Cabeça para cima e potência para seus swings damas e cavalheiros!


Artigo original: Heads Up!

2 Comentários

  • Avatar João Francisco Kircher Lima disse:

    Boa Marcus, mais uma vez um artigo interessante. Mostra um contra ponto ao ” Pescoço Encaixado” como
    citou e fica claro que nunca devemos ter 100% de certeza sem questionar ou confiar cegamente pois as informações e contra pontos podem mudar. Claro que devemos buscar entender o sentido do autor. Neste artigo faz todo o sentido estender a cervical com o objetivo de ativar a cadeia posterior, sobretudo para os atletas e para levantar as cargas em velocidade. No outro artigo, manter as curvas fisiológicas para proteger durante a execução, também faz sentido. Parece que cabe o bom senso diante das informações mas o mais importante é nunca pararmos de buscar novas ideias e sermos capazes de enxergar as rações para novas mudanças. Parabéns e um grande abraço. João Francisco!

    • Avatar Marcus Lima disse:

      De fato João, essa foi a minha intenção, colocar os 2 pontos de vista. Hoje em dia o do Pavel faz mais sentido para mim e é o que eu uso.
      O fator fundamental na discussão para mim é o simples fato de estarmos discutindo e implementando estratégias para garantir o melhor posicionamento cervical, isso era algo em que não pensávamos há alguns anos atrás.

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